17/02/2011

Conversando contigo, 1 ano depois...


Há dias encontrei uma amiga tua, daquelas que são de sempre e para sempre, e falava-me ela das inúmeras vezes em que tem o impulso de te contar uma novidade qualquer, um desabafo, uma alegria maior ou uma tristeza mais cinzenta... e... nada, choca, simplesmente, com o enorme muro da tua ausência.
E dói. Dói muito, continua a doer.
É assim há um ano.
Tenho a certeza de que o que ela sente é exactamente o mesmo que sente o teu Pai, o teu irmão, as tuas primas, tantas outras amigas e amigos, família, a minha irmã, o Zé Diogo.
Digo a todos eles o mesmo que lhe disse a ela : falem.
Sim, falem, falem contigo sempre que tiverem vontade.
É isso que eu faço desde há 1 ano. Falo contigo da mesma forma que, há 18 anos, falo com a Guida.
Choramos juntos ás vezes, é verdade, mas também sabemos continuar a rir, a rir muito.
Eu conto-te as estórias que vou passando, tu metes-te comigo (sim, a praga das "fofinhas" é só um exemplo, que esse epíritozinho venenoso de que todos temos saudades não deixa passar em claro nada do que me vai acontecendo...) umas vezes pões-me a pensar, outras até me dás uma força, do tipo "agora sim, assim está bem"...
No fundo, és cúmplice, parceira, como sempre foste.
E isso faz com que a saudade - que está cá e nunca irá desaparecer - seja mais suportável e se vá tornando não apenas numa dor e sim em algo com que se convive em todos os momentos, que está cá sempre, que é apoio nas horas más e partilha a alegria das horas boas.
Quando, há 1 ano atrás, falava da janela no meu coração, do tal lugarzinho que é só teu e é inatingível e intocável, era a isto que me referia.
O tal lugar onde podemos continuar a partilhar coisas, a conversar, a rir e a chorar.
Todos somos diferentes, todos temos a nossa forma de lidar com a dor e a perda, mas comigo pensar assim ajuda.
Isto é tudo o que gostava de dizer aos teus - nossos - amigos, num dia em que sei que todos sentimos a mesma saudade.
Vamos falando. Entre nós e contigo, sempre.

24/10/2010

Parabéns miúda...

Fui à janela quando acordei e, por estranho que pareça numa manhã de sol e céu azul, vi um raio de luz que ia direitinho a uma estrela.
Juro que, seguindo-o com os olhos e a alma, ouvi claramente cantar o Parabéns, lá em cima, na tal estrela. Cantei também, sózinho, na minha janela.
Enquanto cantava vi lá no outro lado do raio de luz um sorriso, um sorriso que conheço tão bem e tantas vezes vejo por aí, suspenso no ar, sorrindo comigo, sorrindo com os amigos... Sorrindo como só aquele sorriso sabe sorrir, o sorriso lembrou-me que há futuro e que o caminho para lá pode ser feito de mil pontinhos desenhando um outro sorriso sardento e disse-me que o raio de luz estará lá sempre, como outro já estava, iluminando noites escuras e manhãs de sol radioso, sorrindo comigo.
Dei por mim a sorrir também...

17/04/2010

No Vietnam, à descoberta do tempo...

Sou um tipo que gosta de olhar, confesso. Um voyeur de almas, de gentes. Perco-me a observar pessoas, a tentar adivinhar quem sao, de onde vêm, para onde vão, como vivem, o que sentem. Ha muitos anos, ainda Lisboa era para um mundo de segredos, sentava-me na estaçao de Sta Apolonia a olhar quem partia, quem chegava, quem os esperava. Construia-lhes historias e ali ficava horas a fio, a vê-las desfazerem-se ou, as vezes, parecendo seguir o rumo que eu imaginara. Foram eles os meus primeiros amigos em Lisboa...Depois, fui vivendo. As historias vieram ter comigo, feitas roteiros com personagens de carne e osso, com amores e desamores, grandes sonhos vividos ou desilusoes confirmadas, dores profundas e alegrias imensas. E eu fui crescendo, tornando-me gente. E pode viver-se toda uma vida sem nunca se chegar a gente... Adiante. A verdade é que nunca deixei de observar mas fui-me roubando o tempo. Usei-o noutras coisas, com a urgencia de quem, como diz o Jose Mario Branco, sabe que ha sempre qualquer que está para acontecer...E nessa inquietaçao, talvez linda como diz a cançao, os anos foram passando sem que eu passasse muito tempo a observar a vida e a pensar. E de repente, tragica e dolorosamente, a Lena devolveu-me o tempo. Deixou-mo de presente, com amor e com aquele sorriso sacaninha e um empurrão e um doce e carinhoso "vê lá se o usas para pensar, estupido!", como só ela sabia dizer.
Aqui, no Vietnam, tenho tentado usar o tempo para me observar a mim. À minha volta vejo gente que nunca conhecerei, como os de Sta Apolonia, e que me sorri como se fossem mil bocados de um espelho que me devolve imagens da minha vida. Nao falam, sorriem só, e por isso convidam-me, outra vez, a criar-lhes os dialogos, a inventar-lhes as historias. Historias que, afinal, descubro depois, serem apenas as minhas. La no fundo se calhar as vidas da gente nao sao tão diferentes assim, tudo depende, como numa foto, do angulo de onde se dispara. Aqui, no Vietnam, tenho procurado varios angulos, outras maneiras de olhar o que parece imutavel, estatico, absurdamente gigantesco e intransponivel. Reaprendo olhando para tras, para o que ha muitos anos ja vivi, e ganho a certeza de que é possivel.
Aqui, no Vietnam, percebo que há que saber transformar a dor e a revolta em saudade e admiração, essas sim mais forte que o inexorável passar do tempo.
A vida continua pode parecer, 2 meses depois ( e não 6 ? E não 2 anos ? ) uma frase idiota, fria, vazia de sentimentos.
Aqui, no Vietnam, sozinho com as almas que me habitam, deixei de ter medo de pensar assim. Com a cumplicidade de muitas horas de conversas com quem ja partiu. A vida continua, sim! E eu fico por cá - até que um dia seja eu o cumplice que parte - com mais uma janela iluminada no meu coração e, ainda e sempre, com espaço para quem vier. E quem chegar, mesmo de muito longe, vai saber perceber que essas janelas têm nomes e quem as ilumina é intocável e eterno, e saberá construir a sua própria janela.
Daqui, do Vietnam, vou sair com um passado, um presente e com um futuro. Feliz por saber que tenho e terei para sempre pessoas fantasticas na vida.

(A foto é a que trouxe e vai ficar a navegar num barquinho de bambu aqui no Vietnam. Nao resisti ao "See you in Sunset Boulevard" da t-shirt... See you everywhere and forever!)
Escrito em Hoi An, Vietnam, a 17 Abril 2010

17/03/2010

É bom falar contigo !


Um mês... Passaram já trinta dias desde que tu - ... vês ? ... há coisas que consigo dizer mas que me custam tanto a escrever ! - ...trinta dias desde que o teu coração deixou de bater. Fica assim, então. Um mês em que continuo a sentir-me como se estivesse num sonho terrível, sempre à espera de acordar, naquele estado que varia entre a tantas vezes esforçada hiper-energia e a preguiça que disfarça o desespero de um vazio enorme. Queria tanto poder conversar contigo, explicar-te o que sinto ! É exactamente a constatação dessa impossibilidade que, mesmo repetida todos os dias, continua a atingir-me como um raio, sem pré-aviso, quando estou sózinho e quero contar-te alguma coisa, divertida, chata, uma fofoca, barafustar simplesmente contra a porcaria das papeladas de que é preciso tratar.
Há 30 dias que é isto. Rio, brinco, divirto-me, discuto, chateio-me, faço novos amigos, confirmo velhos companheiros e quando te quero contar isto tudo...descubro que o cacetinho deste vazio, como tu dirias, dói que se farta !
Tenho, sobre a maioria das pessoas que nos rodeavam e provavelmente sentem qualquer coisa parecida, a "vantagem" (olha só a ironia...) de já ter passado por isto.
Sei, por isso, que este vazio nunca vai desaparecer, vai apenas mudar. Aprende-se a viver com isto quando se encontra o espaço que já está reservado cá dentro de nós para quem partiu. Um espaço que é único e intocável, feito das mais belas memórias e por isso mesmo indiscritívelmente bonito. Um espaço onde se continua, para sempre, a ser feliz...Pois, não me gozes, mas se calhar é este o meu conceito esquisito de vida eterna !
É por saber isto que não tenho medo da vida. Choro quando me apetece e não quando devia ou quando me vêem. Exactamente como quando rio : rio quando me apetece mesmo quando não devia e não só quando não me vêem... Vivo. Seria bonito dizer que vivo porque tu assim quererias, espécie de homenagem suprema, muito poética...mas eu sou mais da prosa - e tu sabes isso tão bem ! - por isso digo, simplesmente, que vivo porque sou humano. Vivo, por isso, com alegria e com tristeza, com esperança e com desespero, com prazer e com dor. Sem máscara nem rede como sempre, e com a absoluta certeza - e isto é que é verdadeiramente importante - de que nunca mais nada nem ninguém poderá atingir-te lá no lugar onde tu e eu somos felizes para sempre.
E vou continuar assim, a ser como sou, com "essa estranha mania de ter fé na vida" (como dizia a canção...) a sobrepôr-se a todos os desesperos.
Sei que tenho a tua ajuda para isso e tenho à minha volta alguns amigos que puxam por mim, sem se imporem mas estando presentes, amigos recentes e de mais tempo, alguns percebendo perfeitamente a minha forma de reagir outros nem tanto mas capazes de serem solidários sem reservas.
Dói, custa, mas a malta vai lá... Nós os dois sabemos que sim...e o resto que se lixe !
Que bom que é conseguir conversar contigo !

20/02/2010

BEIJO À LENA EM RECADO A UM DEUS IMPOTENTE


Eu não sei quem é o Deus em que, durante anos, me quiseram fazer acreditar.
Cresci a ouvir falar de um Deus que cuida de nós nas horas difíceis, infinitamente bom, omnipresente, que tudo vê e é misericordioso na sua infinita sabedoria.
Um Deus assim ter que ser justo e forte, como um guerreiro em quem se confia para travar ao nosso lado as mais duras batalhas.
Que Deus misericordioso é este de que vocês me falam e que permite que um Pai veja partir uma filha, um ser humano bom, depois de uma batalha longa e terrível, tantas vezes à beira de ser ganha e sempre cruelmente perdida no passo seguinte, até ao derradeiro momento ?
Que Deus infinitamente bom é este que permite que em 22 anos de vida alguém possa passar duas vezes pela terrível experiência de perder a Mãe ?
A vida ensinou-me uma vez mais que o Deus da minha meninice não existe.
Não posso partilhar da vossa devoção a este Deus.
Não a ataco, (quem sou eu para isso ?), mas não consigo, simplesmente, compreender.
Este Deus que vocês - amigos, pessoas de quem gosto, gente que admiro - diáriamente veneram é aos meus olhos injusto, falível, tantas vezes cruel, fraco. Um deus impotente, apenas.
Dizem-me que a Fé não se discute. Concordo. Todos temos direito a acreditar nos nossos deuses.
Por isso permitam que vos diga que, espantosamente talvez, até eu tive Fé e acreditei, ao longo dos meses em que tão impotente como o vosso Deus vi a Lena ir de batalha em batalha com uma força, um sorriso e uma coragem que pareciam inesgotáveis.
Têm nome de gente os alvos da minha Fé, esses meus deuses são Ricardos, Salomés, Isabéis, Anas, Ilídios, Sónias, Saras, Cristinas, Carlas, Alexandres, Henriques e tantos outros que, vestidos de verde, azul, branco, percorrem os corredores de uma casa demasiado grande numa cidade demasiado pequena tentando salvar vidas.
Ás vezes não conseguem. E choram, impotentes, o que os torna aos meus olhos ainda mais deuses.
Não têm igrejas nem altares mas terão para sempre a minha gratidão expressa num simples aperto de mão, num abraço.
Perdoem-me, mas eles sim são os deuses em quem tenho fé, mesmo quando falham.
Porque são humanos e bons e misericordiosos.
E agora tenho que ficar por aqui, porque tenho a janela aberta para disfarçar o cheiro da cigarrilha e já antecipo o raspanete da Lena...
Ela sim, omnipresente.

31/12/2009

2010 é já agora...



Fiz esta foto em Janeiro de 2008, nas dunas do Erg Chebbi, no Sul de Marrocos, ali onde o prenúncio do grande deserto do Sahara começa a espalhar a sua magia. Cada vez que olho para ela é como se o tempo, essa coisa inexorável e fria do passar dos minutos, ficasse suspenso. Saio do trilho do dia a dia e deixo-me levar pelas ondas deste imenso mar de areia, sem saber nunca exactamente onde vou chegar ou sequer se vou chegar. Vou, e basta.
Faço esta viagem diáriamente. A foto é o screensaver do meu computador e todos os dias me leva, por um bocadinho curto que seja, a viver ali, naquelas tendas berberes...
Hoje quero partilhá-la com vocês porque acredito que dali, da face oculta da grande duna, vai nascer daqui a umas horas um magnífico 2010 para todos nós !

22/12/2009

Prenda de Natal para a Lena


"Olha, escreve um livro...".
Lembras-te de me dares esta resposta quando, uma vez mais a braços com a minha crónica falta de jeito para estas coisas, te perguntei o que querias de prenda de Natal ? Resposta destravada, bem tua, a fuga para "outro mundo" logo engatilhada sempre que não te agrada o tema. Como se essa tua ideia de me armares em escritor fosse coisa fácil de realizar, dependente apenas de passar umas horas agarrado a um teclado (já lá vai o tempo da máquina de escrever...)e pronto-já-está, livrinho nas bancas... A sugestão era sincera, eu sei, e ainda por cima deu um jeitaço para não me dizeres o que querias no Natal : dupla missão cumprida, portanto !
Provavelmente nunca mais teria pensado nessa tua resposta se, no momento em que a deste, não estivesses deitada numa cama da Unidade de Cuidados Intensivos Coronários do Hospital de Faro.
A cama era a já tua "velha conhecida" Cama 5, os tubos que te entravam nas artérias, as máquinas à tua volta, o desfibrilhador em stand by ao teu lado, as enfermeiras, as auxiliares, os médicos, tudo isso e também eles já te eram familiares.
Como se fosse possível descobrir algo de familiar nas paredes frias de uma unidade de urgência de um qualquer hospital.
Como se a dor doesse menos quando não enfrentamos o completo desconhecido.
Talvez por isso, lembro-me que conseguiste sorrir um sorriso doce, o teu sorriso de menina pequenina, e, empurrando o medo para fora da cama, abriste uns olhos de cartoon e entraste no filme, guião ao vivo do que poderia ser a história do meu livro, com sonorização e tudo, como adoras fazer.
Coisa de viagens e de artistas, divas que o são e não o mostram e outras que não o sendo o exibem a toda a hora. Mil estórias que davam um livro...Talvez um dia.
Agora, o meu livro és tu quem o escreve todos os dias. O cenário gira entre casa e hospitais, numa batalha que há-de ser vitória certa contra um virus que talvez não o seja ou uma doença auto-imune que ninguém sabe se será. E tu sorris e brincas.
Contas mais uma linha arterial escavada onde já não há onde picar, relatas, com sacaníssimo prazer, o sangue que espirrou e nos assusta, a nós, aos que só imaginamos a dor. Fazes da viagem de helicóptero para Coimbra um voo panorâmico sobre Manhattan, transformas uma biópsia na fantástica recolha de cinco hamburguinhos de coração. Pões alcunhas aos médicos e, com o teu bom mau feitio, dizes-me muito séria que assim não dá, tás-te a passar, vais asfixiar a gorda da cama do lado que ressona que nem uma baleia. E de repente tens alta, vens para casa e ligas às amigas todas a avisar que já estás boa e elas aparecem contínuamente com as ultimas novidades do Aeroporto ou das broncas que agitam a cidade. É aí que eu me chateio, grito, sou mal educado com as visitas e quero obrigar-te a descansar à força. Porque tenho medo que fiques pior, porque me fazes falta, porque temos muitas viagens por fazer, muito namoro por namorar, muita história por contar e outras tantas para viver.
E depois, sem aviso, o teu coração resolve entrar outra vez em greve e a história repete-se. O 112, a Urgência, as agulhas, a cama dos Cuidados Intensivos, desta vez já não há helicóptero, nem choques nem o pânico de te perder, tudo é mais controlado, como para quem já conhece os trilhos entre cada duna no que antes parecia um interminável deserto.
É assim há mais de 6 meses.
Todos os dias, com a tua inesgotável resistência, ensinas-me a atravessar o deserto sabendo, como um tuareg, que do outro lado do mar de areia há sempre um oásis.
E é aí, Lena, que nos vamos sentar à sombra de uma palmeira a rir e a namorar, tu com medo dos escorpiões e eu a adorar o pôr do sol. E a rir, a rir muito.
E então sim, quem sabe, talvez a tua prenda de Natal possa ser o tal livro que me pediste e que, agora, me ditas todos os dias.