22/12/2009

Prenda de Natal para a Lena


"Olha, escreve um livro...".
Lembras-te de me dares esta resposta quando, uma vez mais a braços com a minha crónica falta de jeito para estas coisas, te perguntei o que querias de prenda de Natal ? Resposta destravada, bem tua, a fuga para "outro mundo" logo engatilhada sempre que não te agrada o tema. Como se essa tua ideia de me armares em escritor fosse coisa fácil de realizar, dependente apenas de passar umas horas agarrado a um teclado (já lá vai o tempo da máquina de escrever...)e pronto-já-está, livrinho nas bancas... A sugestão era sincera, eu sei, e ainda por cima deu um jeitaço para não me dizeres o que querias no Natal : dupla missão cumprida, portanto !
Provavelmente nunca mais teria pensado nessa tua resposta se, no momento em que a deste, não estivesses deitada numa cama da Unidade de Cuidados Intensivos Coronários do Hospital de Faro.
A cama era a já tua "velha conhecida" Cama 5, os tubos que te entravam nas artérias, as máquinas à tua volta, o desfibrilhador em stand by ao teu lado, as enfermeiras, as auxiliares, os médicos, tudo isso e também eles já te eram familiares.
Como se fosse possível descobrir algo de familiar nas paredes frias de uma unidade de urgência de um qualquer hospital.
Como se a dor doesse menos quando não enfrentamos o completo desconhecido.
Talvez por isso, lembro-me que conseguiste sorrir um sorriso doce, o teu sorriso de menina pequenina, e, empurrando o medo para fora da cama, abriste uns olhos de cartoon e entraste no filme, guião ao vivo do que poderia ser a história do meu livro, com sonorização e tudo, como adoras fazer.
Coisa de viagens e de artistas, divas que o são e não o mostram e outras que não o sendo o exibem a toda a hora. Mil estórias que davam um livro...Talvez um dia.
Agora, o meu livro és tu quem o escreve todos os dias. O cenário gira entre casa e hospitais, numa batalha que há-de ser vitória certa contra um virus que talvez não o seja ou uma doença auto-imune que ninguém sabe se será. E tu sorris e brincas.
Contas mais uma linha arterial escavada onde já não há onde picar, relatas, com sacaníssimo prazer, o sangue que espirrou e nos assusta, a nós, aos que só imaginamos a dor. Fazes da viagem de helicóptero para Coimbra um voo panorâmico sobre Manhattan, transformas uma biópsia na fantástica recolha de cinco hamburguinhos de coração. Pões alcunhas aos médicos e, com o teu bom mau feitio, dizes-me muito séria que assim não dá, tás-te a passar, vais asfixiar a gorda da cama do lado que ressona que nem uma baleia. E de repente tens alta, vens para casa e ligas às amigas todas a avisar que já estás boa e elas aparecem contínuamente com as ultimas novidades do Aeroporto ou das broncas que agitam a cidade. É aí que eu me chateio, grito, sou mal educado com as visitas e quero obrigar-te a descansar à força. Porque tenho medo que fiques pior, porque me fazes falta, porque temos muitas viagens por fazer, muito namoro por namorar, muita história por contar e outras tantas para viver.
E depois, sem aviso, o teu coração resolve entrar outra vez em greve e a história repete-se. O 112, a Urgência, as agulhas, a cama dos Cuidados Intensivos, desta vez já não há helicóptero, nem choques nem o pânico de te perder, tudo é mais controlado, como para quem já conhece os trilhos entre cada duna no que antes parecia um interminável deserto.
É assim há mais de 6 meses.
Todos os dias, com a tua inesgotável resistência, ensinas-me a atravessar o deserto sabendo, como um tuareg, que do outro lado do mar de areia há sempre um oásis.
E é aí, Lena, que nos vamos sentar à sombra de uma palmeira a rir e a namorar, tu com medo dos escorpiões e eu a adorar o pôr do sol. E a rir, a rir muito.
E então sim, quem sabe, talvez a tua prenda de Natal possa ser o tal livro que me pediste e que, agora, me ditas todos os dias.

13 comentários:

  1. JÁ ME FIZESTE CHORAR (MAS ISSO NÃO É MUITO DIFICIL, EU SOU FEITA DE MANTEIGA, E DERRETO-ME À MINIMA), MAS ESCREVESTE UMA COISA LINDA, LINDA DE MAIS. É BOM VER O COMPANHEIRISMO, A CUMPLICIDADE, O AMOR, QUE VOCÊS TÊM UM PELO OUTRO ( NESTE CASO, TU PELA LENA ) QUE TENHAM UM BOM NATAL E QUE O PRÓXIMO ANO SEJA MAIS CALMO. UM BEIJO MUITO GRANDE DA FAMILIA SÉRIO, DA CASA ALGARVIA

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  2. Zé, o texto é muito bonito. Um grande abraço para ti e para a Lena

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  3. gostei muito... joana pitta

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  4. Olá Zé e Lena.

    Depois de ler esta pequena história a primeira coisa que me ocorreu foi; "Vale a pena Amar e Ser Amado, porque o Amor tudo supera"...gosto muito de vocês, desejo que em 2010 todos os sonhos se concretizem e que a história não tenha fim.
    Mil beijos
    Cinha

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  5. Este maravilhoso texto de alma é A prenda de Natal de todos os que a lerem, foi A minha prenda de Natal, e a CURA DEFINITIVA da LENA é a prenda QUE TODOS OS DIAS ESPERAMOS E VAMOS ALCANÇAR. Ela supera todas as marcas da coragem e da força, e o marido está à altura dela. Isabel.

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  6. Que declaração de Amor fantástica.

    Quando assim se ama nada tememos.

    Esse Amor e essa força dominarão esse maldito virús.

    Um beijão e uma enorme força para lutar contra essa adversidade.

    Ana V.

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  7. Grande Zé!
    Deliciei-me a saborear esta dedicatória á tua mulher Lena, pois ela parece inspirar-te sentimentos de admiração pela força e sentido de humor com que enfrenta o seu calvário. Denotas até também sentimento de incómodo por não teres também a doença, como se fosse uma forma legítima de pedir a deus o que a medicina ainda não conseguiu resolver.
    Continua-lhe a dedicar palavras, mas o companheirismo, a cumplicidade, é a melhor partilha que lhe poderás prestar.

    Quanto ao livro, acho que não deves escrever sobre as pessoas que amas, pois és um sentimentalão e estragas a gramática.

    Pergunta á Lena se o livro deverá ser sobre ela (ou vós) e ela ainda te sacode violenta alguma fiarada que lhe esteja enfiada no hospital e olha que tu sabes que não a conheço e já não te vejo há muitos anos (que saudades).

    Escreve sobre outra coisa, outros coisos e até lhe poderás dedicar, mas nada que vos denuncie, pois a pena (ou a teclada) não fluirá veramente, porque te obrigarias a escrever como um saramago logo ao primeiro parágrafo de 7 páginas enfadonhas!!!

    Pediste-me para comentar, sabes que és para mim uma referência humana e na arte da escrita, mas sou sincero e crítico...

    Abraço,

    Pedro Maciel

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  8. Isto de me deixar com a lagrimita no canto do olho não se faz!
    Beijo grande da vossa amiga nortenha,
    M

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  9. Oh Irmão, escreve lá um livro! Apesar da choramingas da tua irmã quase ter ficado com os pés molhados...está lindo o texto que escreveste para a Lena! Foi de certeza a melhor prenda de Natal que lhe podias dar.
    bjs
    Mena

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  10. Fizeste bem em obedecer, ela sabia... ^Não pares de escrever senao nao paro de tocar á campainha
    gostei muito !
    BjS
    Anucha

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  11. Amigo Zé,
    Sabes que sempre admirei a tua escrita e a facilidade com que tu consegues passar para o papel tudo o que seja necessário dizer. Pois bem, acho que desta vez foste ainda mais longe. Está fenomenal. É de facto a palavra de quem sente o que escreve bem fundo no coração.
    Estou certo de que a Lena vai adorar, é uma linda prenda de Natal.
    Muita coragem para os dois, "àke dar cabe do biche porra" Um grande abraço.
    TóZé

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  12. Cansada de ouvir a minha mãe comentar com cada amigo que lhe ligava que o meu ‘pai Zé’ tinha escrito um texto lindo no seu blogue, resolvi tentar descodificar as suas palavras. É então que, através de um simples clique, entrei no blogue mais badalado da família e arredores e me deparei com este texto. Tão profundo e tão bonito!!
    Tenho a certeza que tudo isto vai acabar, seja ele vírus ou doença auto-imune, porque o ano novo só pode trazer boas surpresas! E, quando finalmente ganharmos esta batalha, vou-me deliciar ao ver todas as fotografias fantásticas que vão tirar nessas viagens tão merecidas que hão-de fazer!
    Gosto muito de vocês!! =D

    Beijo enorme da sobrinha mais crescida,
    Rita

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  13. Zé encontrei o "notas soltas" e fiquei tão feliz! Faz-me sentir mais perto do casal fantástico que conheci em Junho de 2009.Queria dizer-vos o quanto são importantes para mim, porque há pessoas que fazem a diferença! É tão triste o sentimento de impotência que carrego e que me persegue para todo o lado! Eu também vos queria dar uma prenda de natal, de anos, de namorados e tenho tanta pena de não me transformar num Dr.House e dar-vos a solução para tudo isto! Queria deixar um grande beijinho e muita força para vocês. Vou seguindo a Lena pelo sistema informático e esperando melhores dias! Obrigada por tudo o que me transmitiram e ensinaram...Enf.ª Sónia :)

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