31/12/2009

2010 é já agora...



Fiz esta foto em Janeiro de 2008, nas dunas do Erg Chebbi, no Sul de Marrocos, ali onde o prenúncio do grande deserto do Sahara começa a espalhar a sua magia. Cada vez que olho para ela é como se o tempo, essa coisa inexorável e fria do passar dos minutos, ficasse suspenso. Saio do trilho do dia a dia e deixo-me levar pelas ondas deste imenso mar de areia, sem saber nunca exactamente onde vou chegar ou sequer se vou chegar. Vou, e basta.
Faço esta viagem diáriamente. A foto é o screensaver do meu computador e todos os dias me leva, por um bocadinho curto que seja, a viver ali, naquelas tendas berberes...
Hoje quero partilhá-la com vocês porque acredito que dali, da face oculta da grande duna, vai nascer daqui a umas horas um magnífico 2010 para todos nós !

22/12/2009

Prenda de Natal para a Lena


"Olha, escreve um livro...".
Lembras-te de me dares esta resposta quando, uma vez mais a braços com a minha crónica falta de jeito para estas coisas, te perguntei o que querias de prenda de Natal ? Resposta destravada, bem tua, a fuga para "outro mundo" logo engatilhada sempre que não te agrada o tema. Como se essa tua ideia de me armares em escritor fosse coisa fácil de realizar, dependente apenas de passar umas horas agarrado a um teclado (já lá vai o tempo da máquina de escrever...)e pronto-já-está, livrinho nas bancas... A sugestão era sincera, eu sei, e ainda por cima deu um jeitaço para não me dizeres o que querias no Natal : dupla missão cumprida, portanto !
Provavelmente nunca mais teria pensado nessa tua resposta se, no momento em que a deste, não estivesses deitada numa cama da Unidade de Cuidados Intensivos Coronários do Hospital de Faro.
A cama era a já tua "velha conhecida" Cama 5, os tubos que te entravam nas artérias, as máquinas à tua volta, o desfibrilhador em stand by ao teu lado, as enfermeiras, as auxiliares, os médicos, tudo isso e também eles já te eram familiares.
Como se fosse possível descobrir algo de familiar nas paredes frias de uma unidade de urgência de um qualquer hospital.
Como se a dor doesse menos quando não enfrentamos o completo desconhecido.
Talvez por isso, lembro-me que conseguiste sorrir um sorriso doce, o teu sorriso de menina pequenina, e, empurrando o medo para fora da cama, abriste uns olhos de cartoon e entraste no filme, guião ao vivo do que poderia ser a história do meu livro, com sonorização e tudo, como adoras fazer.
Coisa de viagens e de artistas, divas que o são e não o mostram e outras que não o sendo o exibem a toda a hora. Mil estórias que davam um livro...Talvez um dia.
Agora, o meu livro és tu quem o escreve todos os dias. O cenário gira entre casa e hospitais, numa batalha que há-de ser vitória certa contra um virus que talvez não o seja ou uma doença auto-imune que ninguém sabe se será. E tu sorris e brincas.
Contas mais uma linha arterial escavada onde já não há onde picar, relatas, com sacaníssimo prazer, o sangue que espirrou e nos assusta, a nós, aos que só imaginamos a dor. Fazes da viagem de helicóptero para Coimbra um voo panorâmico sobre Manhattan, transformas uma biópsia na fantástica recolha de cinco hamburguinhos de coração. Pões alcunhas aos médicos e, com o teu bom mau feitio, dizes-me muito séria que assim não dá, tás-te a passar, vais asfixiar a gorda da cama do lado que ressona que nem uma baleia. E de repente tens alta, vens para casa e ligas às amigas todas a avisar que já estás boa e elas aparecem contínuamente com as ultimas novidades do Aeroporto ou das broncas que agitam a cidade. É aí que eu me chateio, grito, sou mal educado com as visitas e quero obrigar-te a descansar à força. Porque tenho medo que fiques pior, porque me fazes falta, porque temos muitas viagens por fazer, muito namoro por namorar, muita história por contar e outras tantas para viver.
E depois, sem aviso, o teu coração resolve entrar outra vez em greve e a história repete-se. O 112, a Urgência, as agulhas, a cama dos Cuidados Intensivos, desta vez já não há helicóptero, nem choques nem o pânico de te perder, tudo é mais controlado, como para quem já conhece os trilhos entre cada duna no que antes parecia um interminável deserto.
É assim há mais de 6 meses.
Todos os dias, com a tua inesgotável resistência, ensinas-me a atravessar o deserto sabendo, como um tuareg, que do outro lado do mar de areia há sempre um oásis.
E é aí, Lena, que nos vamos sentar à sombra de uma palmeira a rir e a namorar, tu com medo dos escorpiões e eu a adorar o pôr do sol. E a rir, a rir muito.
E então sim, quem sabe, talvez a tua prenda de Natal possa ser o tal livro que me pediste e que, agora, me ditas todos os dias.