24/10/2010

Parabéns miúda...

Fui à janela quando acordei e, por estranho que pareça numa manhã de sol e céu azul, vi um raio de luz que ia direitinho a uma estrela.
Juro que, seguindo-o com os olhos e a alma, ouvi claramente cantar o Parabéns, lá em cima, na tal estrela. Cantei também, sózinho, na minha janela.
Enquanto cantava vi lá no outro lado do raio de luz um sorriso, um sorriso que conheço tão bem e tantas vezes vejo por aí, suspenso no ar, sorrindo comigo, sorrindo com os amigos... Sorrindo como só aquele sorriso sabe sorrir, o sorriso lembrou-me que há futuro e que o caminho para lá pode ser feito de mil pontinhos desenhando um outro sorriso sardento e disse-me que o raio de luz estará lá sempre, como outro já estava, iluminando noites escuras e manhãs de sol radioso, sorrindo comigo.
Dei por mim a sorrir também...

17/04/2010

No Vietnam, à descoberta do tempo...

Sou um tipo que gosta de olhar, confesso. Um voyeur de almas, de gentes. Perco-me a observar pessoas, a tentar adivinhar quem sao, de onde vêm, para onde vão, como vivem, o que sentem. Ha muitos anos, ainda Lisboa era para um mundo de segredos, sentava-me na estaçao de Sta Apolonia a olhar quem partia, quem chegava, quem os esperava. Construia-lhes historias e ali ficava horas a fio, a vê-las desfazerem-se ou, as vezes, parecendo seguir o rumo que eu imaginara. Foram eles os meus primeiros amigos em Lisboa...Depois, fui vivendo. As historias vieram ter comigo, feitas roteiros com personagens de carne e osso, com amores e desamores, grandes sonhos vividos ou desilusoes confirmadas, dores profundas e alegrias imensas. E eu fui crescendo, tornando-me gente. E pode viver-se toda uma vida sem nunca se chegar a gente... Adiante. A verdade é que nunca deixei de observar mas fui-me roubando o tempo. Usei-o noutras coisas, com a urgencia de quem, como diz o Jose Mario Branco, sabe que ha sempre qualquer que está para acontecer...E nessa inquietaçao, talvez linda como diz a cançao, os anos foram passando sem que eu passasse muito tempo a observar a vida e a pensar. E de repente, tragica e dolorosamente, a Lena devolveu-me o tempo. Deixou-mo de presente, com amor e com aquele sorriso sacaninha e um empurrão e um doce e carinhoso "vê lá se o usas para pensar, estupido!", como só ela sabia dizer.
Aqui, no Vietnam, tenho tentado usar o tempo para me observar a mim. À minha volta vejo gente que nunca conhecerei, como os de Sta Apolonia, e que me sorri como se fossem mil bocados de um espelho que me devolve imagens da minha vida. Nao falam, sorriem só, e por isso convidam-me, outra vez, a criar-lhes os dialogos, a inventar-lhes as historias. Historias que, afinal, descubro depois, serem apenas as minhas. La no fundo se calhar as vidas da gente nao sao tão diferentes assim, tudo depende, como numa foto, do angulo de onde se dispara. Aqui, no Vietnam, tenho procurado varios angulos, outras maneiras de olhar o que parece imutavel, estatico, absurdamente gigantesco e intransponivel. Reaprendo olhando para tras, para o que ha muitos anos ja vivi, e ganho a certeza de que é possivel.
Aqui, no Vietnam, percebo que há que saber transformar a dor e a revolta em saudade e admiração, essas sim mais forte que o inexorável passar do tempo.
A vida continua pode parecer, 2 meses depois ( e não 6 ? E não 2 anos ? ) uma frase idiota, fria, vazia de sentimentos.
Aqui, no Vietnam, sozinho com as almas que me habitam, deixei de ter medo de pensar assim. Com a cumplicidade de muitas horas de conversas com quem ja partiu. A vida continua, sim! E eu fico por cá - até que um dia seja eu o cumplice que parte - com mais uma janela iluminada no meu coração e, ainda e sempre, com espaço para quem vier. E quem chegar, mesmo de muito longe, vai saber perceber que essas janelas têm nomes e quem as ilumina é intocável e eterno, e saberá construir a sua própria janela.
Daqui, do Vietnam, vou sair com um passado, um presente e com um futuro. Feliz por saber que tenho e terei para sempre pessoas fantasticas na vida.

(A foto é a que trouxe e vai ficar a navegar num barquinho de bambu aqui no Vietnam. Nao resisti ao "See you in Sunset Boulevard" da t-shirt... See you everywhere and forever!)
Escrito em Hoi An, Vietnam, a 17 Abril 2010

17/03/2010

É bom falar contigo !


Um mês... Passaram já trinta dias desde que tu - ... vês ? ... há coisas que consigo dizer mas que me custam tanto a escrever ! - ...trinta dias desde que o teu coração deixou de bater. Fica assim, então. Um mês em que continuo a sentir-me como se estivesse num sonho terrível, sempre à espera de acordar, naquele estado que varia entre a tantas vezes esforçada hiper-energia e a preguiça que disfarça o desespero de um vazio enorme. Queria tanto poder conversar contigo, explicar-te o que sinto ! É exactamente a constatação dessa impossibilidade que, mesmo repetida todos os dias, continua a atingir-me como um raio, sem pré-aviso, quando estou sózinho e quero contar-te alguma coisa, divertida, chata, uma fofoca, barafustar simplesmente contra a porcaria das papeladas de que é preciso tratar.
Há 30 dias que é isto. Rio, brinco, divirto-me, discuto, chateio-me, faço novos amigos, confirmo velhos companheiros e quando te quero contar isto tudo...descubro que o cacetinho deste vazio, como tu dirias, dói que se farta !
Tenho, sobre a maioria das pessoas que nos rodeavam e provavelmente sentem qualquer coisa parecida, a "vantagem" (olha só a ironia...) de já ter passado por isto.
Sei, por isso, que este vazio nunca vai desaparecer, vai apenas mudar. Aprende-se a viver com isto quando se encontra o espaço que já está reservado cá dentro de nós para quem partiu. Um espaço que é único e intocável, feito das mais belas memórias e por isso mesmo indiscritívelmente bonito. Um espaço onde se continua, para sempre, a ser feliz...Pois, não me gozes, mas se calhar é este o meu conceito esquisito de vida eterna !
É por saber isto que não tenho medo da vida. Choro quando me apetece e não quando devia ou quando me vêem. Exactamente como quando rio : rio quando me apetece mesmo quando não devia e não só quando não me vêem... Vivo. Seria bonito dizer que vivo porque tu assim quererias, espécie de homenagem suprema, muito poética...mas eu sou mais da prosa - e tu sabes isso tão bem ! - por isso digo, simplesmente, que vivo porque sou humano. Vivo, por isso, com alegria e com tristeza, com esperança e com desespero, com prazer e com dor. Sem máscara nem rede como sempre, e com a absoluta certeza - e isto é que é verdadeiramente importante - de que nunca mais nada nem ninguém poderá atingir-te lá no lugar onde tu e eu somos felizes para sempre.
E vou continuar assim, a ser como sou, com "essa estranha mania de ter fé na vida" (como dizia a canção...) a sobrepôr-se a todos os desesperos.
Sei que tenho a tua ajuda para isso e tenho à minha volta alguns amigos que puxam por mim, sem se imporem mas estando presentes, amigos recentes e de mais tempo, alguns percebendo perfeitamente a minha forma de reagir outros nem tanto mas capazes de serem solidários sem reservas.
Dói, custa, mas a malta vai lá... Nós os dois sabemos que sim...e o resto que se lixe !
Que bom que é conseguir conversar contigo !

20/02/2010

BEIJO À LENA EM RECADO A UM DEUS IMPOTENTE


Eu não sei quem é o Deus em que, durante anos, me quiseram fazer acreditar.
Cresci a ouvir falar de um Deus que cuida de nós nas horas difíceis, infinitamente bom, omnipresente, que tudo vê e é misericordioso na sua infinita sabedoria.
Um Deus assim ter que ser justo e forte, como um guerreiro em quem se confia para travar ao nosso lado as mais duras batalhas.
Que Deus misericordioso é este de que vocês me falam e que permite que um Pai veja partir uma filha, um ser humano bom, depois de uma batalha longa e terrível, tantas vezes à beira de ser ganha e sempre cruelmente perdida no passo seguinte, até ao derradeiro momento ?
Que Deus infinitamente bom é este que permite que em 22 anos de vida alguém possa passar duas vezes pela terrível experiência de perder a Mãe ?
A vida ensinou-me uma vez mais que o Deus da minha meninice não existe.
Não posso partilhar da vossa devoção a este Deus.
Não a ataco, (quem sou eu para isso ?), mas não consigo, simplesmente, compreender.
Este Deus que vocês - amigos, pessoas de quem gosto, gente que admiro - diáriamente veneram é aos meus olhos injusto, falível, tantas vezes cruel, fraco. Um deus impotente, apenas.
Dizem-me que a Fé não se discute. Concordo. Todos temos direito a acreditar nos nossos deuses.
Por isso permitam que vos diga que, espantosamente talvez, até eu tive Fé e acreditei, ao longo dos meses em que tão impotente como o vosso Deus vi a Lena ir de batalha em batalha com uma força, um sorriso e uma coragem que pareciam inesgotáveis.
Têm nome de gente os alvos da minha Fé, esses meus deuses são Ricardos, Salomés, Isabéis, Anas, Ilídios, Sónias, Saras, Cristinas, Carlas, Alexandres, Henriques e tantos outros que, vestidos de verde, azul, branco, percorrem os corredores de uma casa demasiado grande numa cidade demasiado pequena tentando salvar vidas.
Ás vezes não conseguem. E choram, impotentes, o que os torna aos meus olhos ainda mais deuses.
Não têm igrejas nem altares mas terão para sempre a minha gratidão expressa num simples aperto de mão, num abraço.
Perdoem-me, mas eles sim são os deuses em quem tenho fé, mesmo quando falham.
Porque são humanos e bons e misericordiosos.
E agora tenho que ficar por aqui, porque tenho a janela aberta para disfarçar o cheiro da cigarrilha e já antecipo o raspanete da Lena...
Ela sim, omnipresente.